As sete Copas de minha vida (ou Crônica de um jovem-adulto que faz aniversário durante a Copa do Mundo)
1994. Uma tragédia marca o
esporte nacional em 1º de maio daquele ano: a morte de Ayrton Senna. A tristeza do país se arrastou até junho quando iniciou a Copa do Mundo dos Estados Unidos. Nascido no
final de junho, esse foi o tema da minha festinha de aniversário de três anos,
eu me lembro até hoje do bolo que parecia um campo de futebol e meu irmão com
minha prima fazendo o painel que iria decorar a parede. Aquele ano o Brasil
conquista o sonhado tetra, após vinte quatro anos de jejum e esse foi o meu
primeiro contato com uma copa do mundo.
1998. Novamente o Brasil chega
como um dos favoritos na França. Um pouco maior, comecei a entender o que era
Copa do Mundo. Me lembro do jogo do Brasil x Escócia na abertura, me lembro de
pintar na pré-escola as bandeiras de cada adversário do Brasil (Escócia,
Marrocos e Noruega). Novamente meu aniversário seria com o tema da copa. Uma
imagem que me marca bastante é que minha festinha seria no sábado antes da
final, por isso, minha família torceu muito para o Brasil ganhar a semifinal da
Holanda, um jogo que terminou empatado e foi para os pênaltis, causando muita
aflição, desespero e alegria em casa naquele dia. Me lembro de assistir em casa com meus pais a final contra a França, apesar de somente anos depois compreender a polêmica da convulsão do Ronaldo, me recordo plenamente do Roberto Carlos perdendo a cabeça ao chutar a bandeira que sinaliza o escanteio e logo apos o primeiro dos três gols da França.
2002. Eu tinha onze anos de idade
e já entendia completamente o que era uma Copa do Mundo. Eu acordava de
madrugada para assistir os jogos. Lembro de ver a França, campeão mundial,
perder para o Senegal na estreia. Ver a Coreia derrotar as grandes equipes e
sendo a zebra da copa. Meu primeiro álbum de figurinhas. Ver a muralha
Oliver Khan, o goleiro da Alemanha que só havia tomado um gol na competição. E
me lembro da seleção brasileira: os maiores jogadores do planeta. Os jogos do
Brasil eram sempre um espetáculo que fazia as pessoas ficarem dias comentando.
Não sei se quando é criança tudo é mais mágico ou é somente nostalgia
exagerada, mas dificilmente vou ver novamente uma Copa como a da Coreia/Japão
com aquela seleção que realmente alegrava o país e encantava a todos. O jogo
contra a Inglaterra nas quartas-de-finais foi às 03h30 da manhã e tinha David
Beckham, um dos melhores do mundo, porém o Brasil tinha o R4: Ronaldo,
Ronaldinho, Rivaldo e Roberto Carlos. 2 a 1 para o Brasil, em seguida semifinal
contra a Turquia e a Final num domingo, dia 30 de junho (um dia após meu
aniversário) às 08h00 da manhã. Todo mundo temia Oliver Khan. Os jornais
destacavam o quanto seria difícil derrotar o goleiro da Alemanha. Veio o
segundo tempo, Ronaldo, vulgo Fenômeno, fez dois gols e assim o Brasil se
tornou penta. Minha prima (que também era minha vizinha) foi em casa e pediu para
meu pai levar todos na saveiro dele para ir na carreata. Então ele tirou a
saveiro e levou a mim e aos meus primos para a Pastelaria do Tambelli onde a
cidade inteira se reuniu para comemorar.
2006. Agora adolescente, minha
vida nas férias era ficar em casa no computador ou ir na casa do meu primo para
jogarmos videogame. Me recordo que na véspera da Copa, minha rotina era almoçar
e ir na casa dele onde assistíamos o Globo Esporte. O Brasil era naquele
momento a maior seleção de todas, era os penta-campeões, tinha o Quarteto
(Ronaldo, Ronaldinho, Kaká e Adriano) e havia vencido todas as competições
anteriores. Então a seleção desembarca em Weggis na Suíça, mas havia algo de
errado. As televisões ficavam o dia todo filmando o treino que era aberto ao
público cheio de europeus e brasileiros ricos e extravagantes. Parecia uma
temporada de férias numa casa de praia de luxo. Havia algo de podre no reino da
DinamarcaSuíça e não conseguíamos
identificar o que era. Chegou a copa,
fase de grupos normal, oitavas contra Gana normal também. Porém algo não
convencia, eis que era meu aniversário novamente, nesse dia eu e minha família
(com meus primos) fomos para Aparecida. Todo ano em junho viajávamos e naquele
ano coincidiu o jogo do Brasil contra França durante a viagem. Todo mundo se
reuniu na recepção do hotel para assistir o jogo. Eu preferi assistir no
quarto, onde cansado por causa da viagem, dormi. Acordei no final do jogo com
meu pai me chamando para descer jantar. O jogo havia acabado e o Brasil
eliminado pela França novamente. Mas a vida seguiu normal e não era surpresa
para ninguém a eliminação. O carnaval que a seleção havia feito na preparação
em Weggis agora era apontada como o motivo da queda do Brasil na Copa. Assisti
na semana seguinte a primeira final sem o Brasil que eu presenciei: Itália
contra França. Me recordo dessa seleção de ouro da Itália com Materazzi,
Gattuso, Cannavaro, Buffon, Camoranesi, Zambrotta, De Rossi. Um jogo tenso, que
culmina com a cabeçada de Zidane em Materazzi e a disputa de pênaltis. Assim se
encerrou mais uma Copa.
2010. A Copa chegava na África,
porém com a seleção mais fraca que eu já havia visto. Não entendo de futebol,
sou um comunicador e sou de humanas (vocês sabem disso), então vocês podem
discordar a vontade e realmente dizer que tecnicamente nossa seleção era
excelente. Mas não era a seleção brasileira que cresci vendo. Dos grandes
jogadores de outrora, só nos restava Kaká e tínhamos Robinho. Me recordo de ter
assistido todos os jogos do Brasil, mas não me lembro dos jogos em si. A Itália
era mais um campeão europeu que caia na primeira fase (olá França de 2002).
Aquele ano não havia estrelas brilhando na África do Sul. O que me marcou foram
as músicas (Shakira e seu Waka waka e
K’naan com Wavin’ Flag) e a Central da
Copa com o Tiago Leifert que revolucionará o jornalismo esportivo. Porém esse
clima pessimista era reflexo do meu ser interior. Eu passava por um início de
depressão que somente entendi quando estudei psicologia um ano depois na
faculdade. Aquele aniversário foi muito frustrante para mim. Não quis comemorar
e nenhum amigo se recordou dele, eu terminava meu primeiro semestre na faculdade
sem entender o que eu queria para a vida e sem amigos nenhum. Eu havia deixado
meu grupo de jovens e estava num outro onde não me encaixava. Aquela copa
refletia muito de mim. O técnico Dunga enclausurava a seleção brasileira no
centro de treinamento e eu estava enclausurado. Nas quarta de finais o Brasil
pegou a Holanda, assisti o jogo sozinho, pois eu mandava mensagem para alguns
“amigos” mas eles desconversavam sobre aonde iriam assistir. Fiquei no meu
quarto mesmo, dormi durante o jogo e ao acordar fui para a cozinha e descobri
que o Brasil havia sido eliminado novamente.
2014. A Copa chegou no Brasil,
foi tudo uma festa. Dessa vez com 23 anos. É interessante refletir a situação
hoje em dia. A nossa seleção não era a grande seleção de outrora, porém eram os anfitriões. Tínhamos jogadores que se destacavam como David Luiz, Hulk,
Júlio César, Tiago Silva, todos dando suporte à promessa daquela copa: Neymar.
Porém foi uma história de ascensão e queda. Assim como 2006, havia algo de
errado que não conseguíamos perceber. Aquele gol contra que o Marcelo cometeu
no jogo de abertura já indicava que acontecia alguma coisa de diferente, assim
como o cavalo da Revolução dos Bichos,
que enxergava pouco, mas o pouco que enxergava percebia que havia algo
faltando. Assisti os jogos com o pessoal do grupo. Eu havia retornado ao meu
grupo de origem e agora era o Coordenador, a maioria dos jogos eram na casa de
um amigo e depois saímos de lá para fazer a rádio Jeans pelo site da ágape. Era
sempre uma festa cada jogo, se reunia um grupo enorme de amigos para assistir.
Mas sempre criando paralelos, é interessante ver que minha vida estava igual a
seleção, os erros eram toleráveis enquanto tudo era festa, até a queda do 7x1.
Ficamos todos em choque assistindo o jogo, ninguém acreditava no que via. Assim
eu descobri que era na vida também: estavam acontecendo muitos erros no grupo
que eram acobertados pelos integrantes, porém a cada repreensão eu era acusado de estar
“viajando” e que eu deveria me colocar no meu lugar, afinal como uma frase que
ouvi recentemente: “você, Guilherme, que não faz o mesmo role que a gente, não
pode ter o direito de achar que sabe o que esta se passando”. Só que na hora da
queda, somente restou eu e alguns amigos próximos. O que importava era a festa.
A seleção brasileira foi desclassificada, mas não importava, já que o
importante era a Copa ser aqui. O time se tornou um estranho em sua própria
casa e aos poucos eu me tornava um estranho na casa Jeans também naquele ano.
2018. Hoje completo 27 anos em
meio a sétima copa de minha vida. Assim como a seleção brasileira, hoje sou
mais seleto com as pessoas que convivo, prova maior é os poucos amigos que
selecionei para assistir os jogos. Até mesmo assisti um sozinho, pois hoje
tenho a maturidade também de entender que não há problema de às vezes você
querer ficar somente em paz no seu canto. O Brasil após a queda do 7x1 traz
agora um time com estratégia e que luta a cada jogo. Não é mais uma constelação
de estrelas, só que é um time unido e isso é demonstrado a cada jogo, uma verdadeira
trajetória do herói. Não sei se o Brasil vai ganhar ou mesmo passará das
oitavas após o jogo do México. Mas com erros, aprendizados, planejamento,
jogadas ensaiadas, estudo para derrotar cada rival (como usar a altura dos
Sérvios contra eles próprios), é deixado de lado um pouco a meta de querer ser
o melhor, o importante é que a trajetória até aqui valeu a pena. Obrigado Deus
por me escalar há 27 anos na sua vida e continuemos o jogo.
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